Artigos do professor Reginaldo de Souza Silva – Dia das Mães e A Bahia de todos os nós

Artigos do professor Reginaldo de Souza Silva – Dia das Mães e A Bahia de todos os nós

A TODAS AS MÃES QUE LUTAM PORQUE ACREDITAM NO AMOR SUPREMO!


*Reginaldo de Souza Silva

Esta história pode representar tantas outras que acontecem diariamente em nosso país. Em 1916, em brejo de Areias no sertão do Estado da Paraíba, uma menina com mais 11 irmãos e irmãs, tentou, como uma parcela significativa dos chamados nordestinos, sobreviver. Viveu na casa do seu avô em um pequeno sítio de propriedade da família onde lá experimentou o aconchego e a dura vida do campo.
Na pobreza da região nordeste do Brasil, sobejamente conhecida, nesse pequeno sítio, tudo era partilhado com muita dificuldade, mas também havia a felicidade e o carinho como tem sido em muitas famílias que lutam para sustentar e educar seus filhos neste imenso país.
A menina começou desde cedo, como milhares de crianças e adolescentes, a ajudar nos trabalhos domésticos e assim foi ganhando experiência. Aos doze anos de idade, para ajudar no sustento e na sobrevivência da família, começou a trabalhar na casa de um professor universitário. Lá aprendeu o que significava estar longe do seu lar, de sua família. Lá, teve sua primeira experiência de vida e as siladas que o coração permite sobre a necessidade do afeto: sua primeira experiência amorosa e dois filhos não reconhecidos.
Não podendo criar esses filhos, seu pai e sua mãe acharam por bem assumir a paternidade e a criação dos mesmos. E, na inquietude da juventude, como toda jovem mulher em busca da felicidade, nas voltas que a vida dá, apaixonou-se mais uma vez e resolveu, como muitos nordestinos, ir para São Paulo, a terra prometida, onde tudo parecia ser mais fácil: mais opções, mais empregos.
Seguiu em um caminhão pau-de-arara e chegou a tão falada cidade. Como era grande! Quanto movimento, quantas luzes, quanta agitação! Lá teve mais três filhos e enfrentou várias dificuldades e muitas humilhações. Na terra prometida lhe faltava tudo: um lugar para morar, emprego, comida, afeto, o cheiro da terra querida, a sua cultura. Restava a saudade da família distante.
Mesmo assim acreditava que tudo iria mudar. Um dia, sem muitas explicações, o seu companheiro foi embora, deixando-a para trás, sozinha com três crianças, sem família, sem emprego e sem ter onde morar.
A vontade era a de voltar para o nordeste, para a sua família, para a sua terra. Mas como? O que iria dizer? Como poderia explicar? Como iria sobreviver por lá agora tinha mais três crianças? Nesse momento, acreditando que existia um Ser superior que, com certeza, poderia ajudar, resolveu permanecer em São Paulo e enfrentar o que viesse.
Conseguiu, assim, uma oportunidade de emprego como empregada doméstica. Mas a patroa foi logo dizendo que precisaria dormir no emprego e que as crianças, ali, não poderiam ficar. Mas quem poderia cuidar das suas crianças enquanto ela cuidava das crianças dos outros?
A patroa ofereceu, então, como ajuda, a indicação de um colégio interno no interior do Estado de São Paulo, distante 500 km da capital, onde poderia deixar as crianças. Nesta época estava em pleno funcionamento a Política Nacional do Bem Estar do Menor, representada pela FUNABEM e FEBEMs nos vários Estados brasileiros. Esta política, com o discurso de proteção ao “menor”, punia as famílias pobres que, muitas vezes, não tinham condições de cuidar de suas crianças. Pobres, as crianças eram então rotuladas como “abandonadas” e, portanto, como medida de proteção, eram internadas em instituições públicas e/ou subsidiadas pelo Estado.
Não tendo outra opção, a jovem mãe teve que separar a família e encaminhou os dois irmãos para uma instituição masculina e a irmã seguiu para outra cidade. Uma vez por ano, a mãe buscava as crianças para passar as “férias” na capital onde trabalhava. Ao deixá-las de volta na instituição, as prometia que um dia viria buscá-las definitivamente.
E trabalhou para isso: noite e dia, até que entendeu que poderia começar a morar fora da casa do patrão. Mas, quando isso aconteceu, ligaram do colégio avisando que as crianças não poderiam ficar mais lá. Essa foi a resposta da patroa.
No quarto alugado de 12 metros quadrados com uma cama, um fogão, um pequeno guarda roupas e um banheiro externo (para ser dividido com outras 10 famílias que ocupavam quartos iguais) começou a reconstrução do seu lar.
Aos doze anos seus filhos foram levados para morar junto com ela, porque já podiam trabalhar. Depois do trabalho, quantas vezes eles ficavam aguardando a mãe também chegar do emprego com a primeira refeição do dia, pois sabiam que ela traria consigo a comida, que deveria ser o seu almoço no trabalho.
Mesmo sem saber ler e escrever a mãe exigiu dos filhos que estudassem e um deles terminou a graduação, o mestrado e chegou a “virar doutor”. Com o seu emprego de doméstica (que não tinha direito a domingos, feriados e nem festas de fim de ano), a mãe criou os três filhos e os salvou da morte, marginalidade e do abandono. E o tempo foi passando… e através do trabalho precoce e exaustivo de todos, a família superou a pobreza extrema.
Este é o breve relato da história da minha mãe que não mais poderei beijar, abraçar, dar carinho e agradecer por me permitir chegar até aqui, pois já partiu para descansar dessa difícil jornada.
Aproveito esta oportunidade, então, contanto a sua história, para homenageá-la e a todas as mulheres, professoras, da Candelária, Realengo, Vitória da Conquista, Bahia e Brasil, a todas as mães que, com determinação e amor supremo conseguem, muitas vezes sozinhas e sem a presença do homem que um dia amaram, criar os seus filhos e filhas.
E, àquele(a)s que ainda têm a oportunidade de conviver com o aconchego de sua mãe (biológica ou de criação), que não percam a oportunidade de agradecê-la, amá-la, respeitá-la e fazê-la muito feliz. Pois não basta dizer que as amam, é preciso demonstrar, é preciso que elas sintam-se amadas!
Agradeço a Deus por minha mãe ALICE e desejo a todas as mulheres/mães um FELIZ DIA DAS MÃES.

*Reginaldo de Souza Silva – Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da UESB. Email:
reginaldoprof@yahoo.com.br.

 

 

A Bahia de todos os “nós”: os sem diplomas e o nó da Formação dos professores

Prof. Dr. Reginaldo de Souza Silva*

A Lei que determina as diretrizes e bases da educação brasileira (9394/96) prevê que todo professor, para exercer a profissão, deve ter diploma em cursos superiores que formam professores, as licenciaturas. Infelizmente, no Brasil, dado ao atraso histórico instalado de desvalorização da profissão docente, tem aumentado na educação básica o número de pessoas que ocupam a função docente sem a formação superior exigida. Os denominados “sem diploma”, entre 2007 e 2009, segundo o Censo Escolar do Ministério da Educação, somavam, em 2009, 636 mil, o que representava 32% do total de professores do nosso país.

Nesse cenário, a Bahia possui um dos quadros mais críticos. Na rede estadual de ensino, por exemplo, 35% do quadro ainda não possui formação superior completa, e nas redes municipais baianas o percentual chega a 76%! Para tentar reverter esse quadro, o governo estadual aderiu ao Plano Nacional de Formação dos Profissionais do Ensino, lançado pelo governo federal em 2009, que pretende, através de ações, em regime de colaboração entre a União, os estados e municípios, organizar ações de formação (inicial e continuada) dos professores no Brasil.

Nas mensagens veiculadas pelo governo da Bahia de todos os “nós” em outdoors, nos discursos e propagandas nos meios de comunicação está dito que é possível zerar o número de professores sem formação no estado através das ações empreendidas pela Secretaria da Educação da Bahia. Para tanto, serão oferecidas, através do Plano Nacional de Formação de Professores (PLAFOR), 60 mil vagas de formação inicial para professores. Até o momento, dizem as propagandas, já são 25 mil professores matriculados em várias licenciaturas e outros 35 mil esperam ser incluídos até o final de 2011. A propaganda diz que o PLAFOR baiano contará com o investimento de R$ 400 milhões do governo federal e R$ 84 milhões do estadual, ao longo de seis anos. Para por em marcha tal projeto, as universidades federais, as universidades estaduais e os institutos federais da Bahia foram chamados a contribuir.

Entretanto, como docente da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, o que temos visto é que essa tentativa de qualificar os profissionais da educação através do ensino superior tem enfrentado vários obstáculos. Dentre eles, poderíamos citar: o acúmulo das horas de trabalho com as horas de formação; o difícil deslocamento até os locais de estudo; as dificuldades em permanecer nos cursos; a dualidade entre a formação oferecida através do PLAFOR e a formação oferecida nos cursos regulares; a falta de tempo para amadurecer os conteúdos e as habilidades necessárias a profissão etc. Além disso, alguns municípios, que, no regime de colaboração, deveriam arcar com os custos logísticos (alimentação, hospedagem e transporte dos profissionais de ensino em curso), por vezes, não têm cumprido com suas obrigações e ainda sobrecarregam os professores com a responsabilidade de pagarem com o seu próprio salário os seus substitutos (que na maioria das vezes não tem formação e não passaram por qualquer forma de seleção pública).

O resultado é que uma grande parte desses 25 mil professores em formação está desistindo (ou seria melhor dizermos que estão sendo expulsos por falta das condições mínimas de permanência?) dos cursos. Os professores estão evadindo do plano de formação, pois não estão conseguindo arcar com a grande “conta” que lhes tem sido apresentada: a de se transformarem em índices positivos para o governo ao invés de serem considerados como gente, seres humanos responsáveis pela educação de milhares de outros seres humanos e que, para isso, precisam também de formação.

Nesse mesmo lado estão também os formadores dos formadores (os professores universitários): Como podem as universidades estaduais garantirem a qualidade da formação oferecida se os recursos destinados para o seu funcionamento foram contingenciados através dos decretos que interferem e violam a autonomia das universidades? Como garantir qualidade, compromisso e respeito se os docentes da educação superior na Bahia não são reconhecidos nem valorizados pelo governo do estado, provocando também um grande êxodo de docentes que se demitiram para ingressar em outras instituições de ensino superior? Sem dúvida, os professores, em todos os níveis de ensino, têm sofrido com as afrontas deflagradas pela atual administração baiana.

Resta-nos, então, sugerir a administração pública da Bahia uma atitude pedagógica: que o governo se auto-avalie e que pondere se é possível receber, em uma escala de zero a dez, uma nota maior do que zero. Pois, perguntamos, será ele capaz de desatar os “nós” que ele mesmo criou?

Queremos (exigimos) para todos os profissionais da educação na Bahia cursos de qualidade e não apenas a certificação. E, para isso, teremos que falar em universidades que também sejam de qualidade e não meramente distribuidoras de diplomas, sucateadas que estão pelas manobras e ingerências deste governo. Portanto, como responsáveis diretos pela viabilidade da formação dos milhares de professores das redes públicas do estado da Bahia, alertamos ao governo, e a sociedade, de que não será possível desatar os “nós” da qualificação dos professores em nível superior se os “nós” atados pelo governo para as universidades estaduais (contingenciamento de recursos, congelamento de salários dos docentes, desrespeito a autonomia universitária) permanecerem “enforcando” todas as possibilidades de uma formação extensa e de qualidade.

Não será possível prever uma educação básica de qualidade se a educação superior, que é responsável pela formação dos milhares de professores, continuar sofrendo os ataques de desmonte desferidos nos últimos anos. A educação da Bahia é uma só! Isto é, a educação básica e a educação superior estão intrinsecamente ligadas e da qualidade (ou dos dados) de uma dependerá a qualidade da outra, traduzindo-se, assim, na educação da Bahia.

Se continuarem a desrespeitar os professores da educação básica, a desvalorizar e sucatear as universidades públicas estaduais, só restará atribuirmos ao governo do estado da Bahia, e as suas secretarias que insistem em violar e desrespeitar a autonomia universitária, a nota ZERO, pois o resultado de tais ações serão professores desmotivados, índices vergonhosos de qualidade da educação e um futuro tenebroso no qual os jovens não hão de querer ingressar na carreira docente e os mais velhos continuarão a luta para manter o que resta de dignidade e de qualidade porque têm a certeza de que os governos passam.

* Reginaldo de Souza Silva, Doutor em Educação Brasileira, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas da UESB. Email: reginaldoprof@yahoo.com.br.

Coordenador do NECA
77-88027758

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